.. Tudo no meu ser tremeu como se o chão de Paris tremesse! Aquela era a porta do Mundo que perante mim se fechara! Paraalém estavam as gentes, as cidades, a vida, Deus e Ela. E eu ficara sozinho, naquele patamar do não-ser, fora da porta que se fechara, único ser fora do Mundo! Rolei pelos degraus, com o fragor e a incoerência de uma pedra, até ao cubículo da porteira e do seu homem que jogavam as cartas em ditosa pachorra, como se tão pavoroso abalo não tivesse desmantelado o Universo!
- Madame Colombe? A barbuda comadre recolheu lentamente a vaza: - Já não mora... Abalou esta manhã, para outra terra, com outra porca! Paraoutra terra! com outra porca!... Vazio, negramente vazio de todo o pensar, de todo o sentir, de todo o querer boiei aos tombos, como um tonel vazio, na corrente açodada do Boulevard, até que encalhei num banco da Praça da Madalena, onde tapei com as mãos, a que não sentia a febre, os olhos, a que não sentia o choro! Tarde, muito tarde, quando já se cerravam com estrondo as cortinas de ferro das lojas, surdiu, de entre todas estas confusas ruínas do meu ser, a eterna sobrevivente de todas as ruínas - a ideia de jantar. Penetrei no Durand, com os passos entorpecidos de um ressuscitado. E, numa recordação que me escaldava a alma, encomendei a lagosta, o pato, o Borgonhal Mas ao alargar o colarinho, ensopado pelo ardor daquela tarde de julho, entre a poeira da Madalena, pensei com desconforto: «Santíssimo Nome de Deus! Que imensa sede me fez esta desgraça!...» De manso acenei ao rapaz: - Antes do Borgonha, uma garrafa de Champagne, com muito gelo, e um grande copo!... - Creio que aquele Champagne se engarrafara no Céu onde corre perenemente a fresca fonte da Consolação, e que na garrafa bendita que me coube penetrara, antes de arrolhada, um jorro largo dessa fonte inefável.