Jesus! que transcendente regalo, o daquele nobre copo, embaciado, nevado, a espumar, a picar, num brilho de ouro! E depois, garrafa de Borgonha! E depois, garrafa de Conhaque! E depois, Hortelã-Pimenta granitada em gelo! E depois, um desejo arquejante de espancar, com o meu rijo marmeleiro de Guiães, a porca que fugira com outra porca! Dentro da tipoia fechada, que me transportou num galope ao 202, não sufoquei este santo impulso, e com os meus punhos serranos atirei murros retumbantes contra as almofadas, onde via, furiosamente via a mata imensa de pêlo amarelo, em que a minha alma uma tarde se perdera, e três meses se debatera, e para sempre se emporcalhara! Quando o fiacre estacou no 202 ainda eu espancava tão desesperadamente a besta ingrata, que, aos berros do cocheiro, dois rapazes acudiram e me sustiveram, recebendo pelos ombros, sobre as nucas servis, os restos cansados da minha cólera.
Em cima, repeli a solicitude do Grilo, que tentava impor ao siô Zé Fernandes, a Zé Fernandes de Guiães, a imensa indignidade de um chá de macela! E estirado no leito de «D. Galeão», com as botas sobre o travesseiro, o chapéu alto sobre os olhos, ri, num doloroso riso, deste Mundo burlesco e sórdido de Jacintos e de Colombes! E de repente senti uma angústia horrenda. Era Ela! Era a Madame Colombe, que esfuziara da chama da vela, e saltara sobre o meu leito, e desabotoara o meu colete, e arrombara as minhas costelas, e toda ela, com as saias sujas, mergulhara dentro do meu peito, e abocara o meu coração, e chupava a sorvos lentos, como na Rua do Helder, o sangue do meu coração! Então, certo da Morte, ganindo pela tia Vicência, pendi do leito para mergulhar na minha sepultura, que, através da névoa final, eu distinguia sobre o tapete - redondinha, vidrada, de porcelana e com asa.