Todo o seu movimento então foi o de um boi inconsciente que marcha sob a canga e o aguilhão. Já não esperava da Vida contentamento - nem mesmo se lastimava que ela lhe trouxesse tédio ou pena. «Tudo é indiferente, Zé Fernandes!» E tão indiferentemente sairia à sua janela para receber uma coroa imperial oferecida por um povo - como se estenderia numa poltrona rota para emudecer e jazer. Sendo tudo inútil, e não conduzindo senão a maior desilusão, que podia importar a mais rutilante atividade ou a mais desgostada inércia? O seu gesto constante, que me irritava, era encolher os ombros. Perante duas ideias, dois caminhos, dois pratos, encolhia os ombros! Que importava?.. E no mínimo acto, raspar um fósforo ou desdobrar um jornal,
punha uma morosidade tão desconsolada que todo ele parecia ligado, desde os dedos até à alma, pelas voltas apertadas de uma corda que se não via e que o travava.
Muito desagradavelmente me recordo do dia dos seus anos, a 10 de Janeiro. Cedo, de manhã, recebera, com uma carta de Madame de Trèves, um açafate de camélias, azáleas, orquídeas e lírios do vale.