Uma descida no Maelstrom - Cap. 1: Uma descida no «Maelström» Pág. 16 / 23

que lhe pareça gabarolice, pode acreditar no que lhe digo: comecei a reflectir em como era soberbo morrer daquela maneira e como era tolice entregar-me a considerações tão mesquinhas como a minha própria vida, à vista de tão magnífica manifestação do poder de Deus. Creio sinceramente que corei de vergonha quando esta ideia me veio ao espírito. Passado um breve instante senti-me possuído da mais ardente curiosidade acerca do turbilhão em si. Sentia positivamente desejo de explorar as suas profundezas, mesmo à custa do sacrifício que me esperava, e o meu maior desgosto consistia em não poder um dia contar aos meus companheiros em terra os mistérios que iria presenciar. Trata-se, sem dúvida, de estranhos devaneios para ocuparem a mente de um homem em tão extrema situação - e desde então tenho pensado muitas vezes que as rotações do barco em torno do fosso me podem ter feito perder um pouco a noção da realidade.

»Havia outra circunstância que tendia a fazer-me recobrar o domínio de mim mesmo: era a cessação do vento, que não podia alcançar-nos na presente posição - pois, como o senhor mesmo viu, a cintura de rebentação fica consideravelmente mais baixa que o leito geral do mar, e este erguia-se agora muito acima de nós, como a crista negra e altaneira de uma montanha. Se nunca esteve no mar durante uma grande tempestade, não pode fazer ideia da confusão que o vento e a surriada simultâneos provocam no espírito. Cegam, ensurdecem e estrangulam-nos, privando-nos de toda a capacidade de reflexão. Porém, nesse momento estávamos em grande parte libertos desses incómodos - tal como aos assassinos condenados a morte na prisão são concedidos pequenos privilégios que lhes estão vedados enquanto a sua sorte está ainda por decidir.

»Não sei dizer quantas vezes fizemos o circuito da cintura.





Os capítulos deste livro