- O que é que estás a fazer?
- Tive uma sede horrível e resolvi descer a buscar...
- Julgava que ias à comunhão.
Uma expressão de grande espanto cobriu a cara do filho.
- Esqueci-me completamente.
- Chegaste a beber água?
- Não...
Mal a palavra lhe tinha saído da boca Rudolph apercebeu-se de que era a resposta errada, mas os olhos mortiços e indignados que o fitavam atraíram a verdade antes que a vontade do rapaz pudesse actuar. Compreendeu também que nunca deveria ter descido; uma vaga necessidade de verosimilhança fizera-o querer deixar um copo usado no lava-louças, como testemunho. A honestidade da sua imaginação traíra-o.
- Deita essa água fora! - ordenou o pai Rudolph virou o copo, em desespero.
- Mas o que é que tu tens, afinal?
- Nada.
- Foste ontem à confissão?
- Fui.
- Então porque é que ias beber água?
- Não sei, esqueci-me.
- Talvez te preocupes mais por teres um pouco de sede do que com a tua religião.
- Esqueci-me. - Rudolph podia sentir as lágrimas bailar-lhe nos olhos.
- Isso não é resposta.
- Mas foi assim.
- O melhor é teres cautela! - O pai insistia num tom alto e inquisitorial: - Se andas tão esquecido que nem te lembras da tua religião, tem de se fazer alguma coisa.
Rudolph preencheu um breve silêncio com:
- Lembro-me perfeitamente.
- Primeiro começas a desleixar-te da religião - gritou o pai, exagerando a sua própria indignação - a seguir vais começar a mentir e a roubar; e o que virá a seguir é a casa de correcção!
Nem mesmo esta ameaça já conhecida pôde aumentar o abismo que Rudolph via à sua frente. Ou contava agora tudo, oferecendo o corpo ao que sabia ser uma tareia feroz, ou então arrostaria com raios e coriscos ao receber o Corpo e o Sangue de Cristo com o sacrilégio na alma.