O AVIADOR No veludo glauco do rio lateja fremente a carícia ardente do Sol; as suas mãos doiradas, como afiadas garras de oiro, amarfanham as ondas pequeninas, estorcendo-as voluptuosamente,-as arfar, suspirar, gemer como um infinito seio nu. Ao alto, os lenços claros, desdobrados, das gaivotas, dizendo adeus aos que andam perdidos sobre as águas do mar... Algumas velas no rio, manchazinhas de frescura no crepitar da fornalha. Mais nada.
Um óleo pintado a chamas por um pintor de génio. As tintas flamejam ainda húmidas: são borrões vermelhos as colinas em volta; doirado, o indistinto turbilhão da casaria ao longe.
A vida estremece apenas, pairando quase imóvel, numa agitação toda interior, condensada em si própria, extática e profunda. A vida, parada e recolhida, cria heróis nos imponderáveis fluidos da tarde.
Os homens, saindo de si, borboletas como salamandras que a chama não queimara, abrem os braços como asas... e pairam! Acima do óleo pintado a chamas por um pintor de génio ascende... o quê? Outra gaivota?... Outra vela?... O Sol debruça-se lá do alto e fica como uma criança que se esquecesse de brincar no trágico assombro do nunca visto! Outra gaivota?... Outra vela?...
Tudo em volta flameja. O pincel de génio dá os últimos retoques ao cenário de epopeia. As tintas têm brilhos de esmaltes. São mais vermelhas as colinas agora, mais doirada a cidade distante.
Os filhos dos homens, cá em baixo, deixam cair nos campos a enxada que faz nascer o pão e florir as rosas; os pescadores largam os remos audaciosos que rasgam os mares e os rios, e os filhos dos homens mais duramente castigados, os que habitam o formigueiro das cidades, param nas suas insensatas correrias de formigas, e todos voltam a face para o céu.