AS ORAÇÕES DE SOROR MARIA DA PUREZA No mundo, era branca e loira; tinha quinze anos e chamava-se Maria. Morava numa grande casa cor-de-rosa que dia e noite espreitava para a estrada, através da espessa folhagem das frondosas tílias de um jardim. Mariazinha, branca e loira, tinha um namorado, e já havia um ano que lhe tinham dado licença para falar com ele às grades do jardim da sua casa cor-de-rosa. Já havia um ano. E a Mariazinha pouco mais era ainda que um bebé! Como o ano tinha passado depressa! E que estranho ano aquele, sem Inverno! Mariazinha nunca vira um ano assim, um ano que só tivera noites, trezentas e sessenta e cinco noites de Setembro, tépidas, cariciosas, luarentas. Dos dias não se lembrava, e Inverno não teve com certeza. Floriram as azáleas por acaso?... As magnólias da grande avenida cobriram o chão de neve, porventura? O velho jardineiro diz que sim. Mas que sabem os velhos jardineiros de estes anos estranhos, só com noites de Setembro?!
Mariazinha lembrava-se muito bem; era todas as noites a mesma coisa: o cascalho dos arruamentos a reluzir, como se alguma fada caprichosa tivesse andado por ali a atirar às mãos-cheias punhados de pequeninos sóis; as grades do jardim, ao fundo, onde se enlaçava a vinha virgem de folhagem de rubis que a mãe mandara arrancar mais de cem vezes, e que voltara sempre não sabiam donde, não sabiam como, a enlaçar as grades em mil inflexíveis abraços, que nem a morte podia quebrar.
E as beladonas! Tantas! Havia-as em todos os canteiros. Brotavam da terra, misteriosas e perfumadas, vestidas de seda cor-de-rosa, aqui e ali, por toda a parte, às vezes até nas ruas do jardim! Nas ruas... que escândalo! Comentava o gesto brutal do velho jardineiro, arrancando-as e atirando-as para o lado sem piedade.