A cultura alexandrina necessita da classe de escravos para poder subsistir; mas ela nega, em sua conceção otimista da existência, a necessidade de tal classe, indo por isso de encontro a uma destruição terrível, logo que se tenha desgastado o efeito de suas belas palavras sedutoras e tranquilizantes sobre a “dignidade do homem” e sobre a “dignidade do trabalho”. Nada há que seja mais terrível do que uma classe bárbara de escravos, que aprendeu a considerar a sua existência como injustiça e que se dispõe agora a vingar não somente a si, mas a todas as gerações passadas. Quem é aquele que se atreve a apelar, com ânimo seguro, contra tais ataques ameaçadores, para nossas religiões pálidas e cansadas, religiões de eruditos? É por isso que o mito, o absolutamente necessário para toda religião, já está paralisado em todos os lugares, dominando mesmo neste terreno aquele espírito otimista, que acabamos de designar como sendo o germe destruidor de nossa sociedade.
Enquanto o mal, adormecido no seio da cultura teórica, principia a atemorizar o homem moderno e ele, desinquieto, procura, no tesouro de suas experiências, os meios para evitar o perigo — sem ter mesmo grande confiança em tais meios —; enquanto, portanto começa a perceber suas próprias consequências, souberam naturezas grandes, dotadas universalmente, usar com sensatez ímpar a armadura da ciência, a fim de indicar os limites e a condicionalidade do conhecimento, negando com isto a exigência da ciência de ter validez universal e fins universais, demonstração na qual pela primeira vez se reconheceu aquela representação ilusória como tal que, em virtude da causalidade, presume poder penetrar na essência das cousas.