Mas não havia fascista algum à espera. Com vaga sensação de alívio, verifiquei que havia um parapeito baixo e que os sacos de areia proporcionavam uma base firme aos pés. Via de regra eles são difíceis de ultrapassar. Lá dentro tudo estava em frangalhos, barrotes espalhados por toda a parte e grandes fragmentos de uralita pelo chão. Nossas bombas destruíram todos os abrigos, mas ainda assim não se via vivalma. Pensei que os fascistas podiam estar ocultos em algum ponto subterrâneo, e gritei-lhes em inglês (pois não conseguia pensar em qualquer palavra espanhola naquele momento):
- Come on out of it! Surrender! ("Saiam dai! Rendam-se!")
Nem sombra de resposta. Nisso, um homem, figura sombria àquela meia luz, deslizou do telhado de um dos abrigos destruídos e saiu em carreira para a esquerda. Parti ao seu encalço, enfiando a baioneta na escuridão sem qualquer resultado. Ao dar a volta no abrigo, vi um homem - não sei se era o mesmo que vira antes - fugindo pela trincheira de comunicação que dava para a outra posição fascista. Devo ter estado bem perto dele, pois pude vê-lo claramente. Era calvo e parecia não ter qualquer roupa no corpo, exceto um cobertor que segurava em torno dos ombros. Se eu abrisse fogo, poderia reduzi-lo a fanicos, mas com medo de dispararmos uns contra os outros, havíamos recebido ordens para só utilizar as baionetas depois de estarmos dentro do parapeito, e de qualquer modo eu nem sequer pensei em atirar, naquela conjuntura. Ao invés disso, meus pensamentos deram um salto de vinte anos atrás, e lembrei-me de nosso instrutor de boxe na escola, mostrando-me em pantomima bem vivida como enfiara a baioneta num turco, nos Dardanelos. Segurei o fuzil com força e fiz um arremesso às costas do sujeito. Estava fora de meu alcance. Outro mergulho, e acertei outra vez no ar vazio. E por alguma distância ficamos assim, ele correndo pela trincheira e eu atrás no chão mais alto, mirando-lhe as omoplatas sem conseguir alcançá-las uma só vez - recordação bem cômica que posso ter hoje, embora acredite que para ele não fosse tão cômico assim.
Como era natural, o sujeito conhecia melhor aquele lugar, e logo me escapulia. Quando voltei ao ponto de nosso ataque, a posição estava cheia de homens a gritar. Diminuíra um pouco o ruído dos disparos, e os fascistas continuavam a despejar fogo sobre nós, por três lados, mas era de distância maior. Nós os havíamos repelido, por algum tempo, e lembro ter declarado, em tom de oráculo:
- Podemos sustentar este lugar por meia hora, não mais que isso.
Não sei por que cargas d'água escolhi esse período de meia hora. Olhando pelo parapeito à direita, dava para ver inúmeros clarões esverdeados, de fuzis que disparavam na escuridão, mas estavam muito distantes, a cem ou duzentos metros