Por volta do meio-dia, em 3 de maio, um amigo que vinha pela sala do hotel comentou para mim, de modo casual:
- Parece que houve algum barulho no Centro Telefônico.
Não dei atenção ao comentário, naquele momento. A tarde, entre três e quatro horas, estava no meio da Ramblas quando ouvi diversos disparos de fuzil atrás de mim. Voltei-me e vi alguns jovens, com fuzis na mão e os lenços rubro-negros dos anarquistas em volta ao pescoço, seguindo com cuidado por uma rua lateral que partia da Ramblas para o norte. Era evidente que trocavam tiros com alguém situado numa alta torre octogonal - acredito que se tratasse de uma igreja - e da qual alguém podia ver toda a rua. Pensei imediatamente: "Começou!" Mas o pensamento ocorreu sem qualquer sentimento de surpresa, pois desde alguns dias antes todos esperavam o "começo" a qualquer instante. Compreendi que devia voltar imediatamente ao hotel e ver se minha esposa estava bem. Mas o bolo de anarquistas em volta da entrada daquela rua lateral fazia gestos às pessoas para que recuassem, gritando para que não cruzassem a linha de fogo. Ecoaram outros disparos, e as balas vindas da torre varejavam a rua, onde uma multidão em pânico corria, afastando-se dali. Pela Ramblas acima podia-se ouvir o ruído característico das portas de aço a serem fechadas nas vitrinas das casas comerciais. Vi dois oficiais do Exército Popular retirando-se cautelosamente de uma para outra árvore, as mãos nos revólveres. A minha frente a multidão seguia para a estação do metrô, no meio da Ramblas, para abrigar-se. Decidi no mesmo instante não fazer isso, pois poderia ficar preso lá em baixo por diversas horas.
Foi nesse momento que um médico norte-americano que estivera na linha de frente connosco veio correndo em minha direção e me segurou pelo braço. Estava bastante agitado.
- Venha, devemos tocar para o Hotel Falcón. (Esse hotel era um tipo de pensão mantida pelo P.O.U.M. e usado principalmente pelos milicianos em licença). O pessoal do P.O.U.M. vai encontrar-se lá. O barulho está começando. Devemos ficar todos juntos.
- Mas, com os diabos, o que está acontecendo? - perguntei.
Já o médico me arrastava pelo braço, e agitado demais não conseguia dar explicação muito clara. Entendi que ele se achava na Plaza de Cataluña quando diversos caminhões lotados com Guardas Civis chegaram ao Centro Telefônico, sob controle principal de trabalhadores da C.N.T., e desfecharam um ataque repentino ao mesmo. Em seguida surgiram alguns anarquistas, travando-se uma peleja geral. Entendi que o "barulho", no dia anterior, fora a exigência feita pelo Governo, no sentido de que lhe fosse entregue o Centro Telefônico, o que naturalmente se vira recusado.