O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 10 / 279

Acima desse 3.° andar ficava um sótão onde se estendia a roupa e duas águas-furtadas, onde dormia um carregador chamado Christophe e a gorda Sylvie, a cozinheira. Tirando os sete pensionistas internos, a senhora Vauquer tinha, ano sim ano não, oito estudantes de Direito ou Medicina, e dois ou três clientes habituais que moravam no bairro, inscritos só para o jantar. A sala abrigava para jantar dezoito pessoas e podia acolher mais ou menos vinte; mas de manhã só lá havia sete locatários cuja reunião oferecia durante o pequeno-almoço o aspecto de uma refeição familiar. Todos desciam em pantufas, permitindo-se observações confidenciais sobre as roupas ou o aspecto dos externos e sobre os acontecimentos da véspera, exprimindo-se com a confiança da intimidade. Estes sete pensionistas eram as crianças mimadas da senhora Vauquer, que media com uma precisão de astrónoma os cuidados e atenções a ter para com eles, consoante a pensão de cada um. Uma mesma consideração atingia estes seres reunidos ao acaso. Os dois locatários do 2.° andar só pagavam 72 francos por mês. Este excelente negócio, que só se encontra no bairro Saint-Marcel, entre a Bourbe e a Salpêtriere, e do qual só a senhora Couture era a excepção, anunciava que estes pensionistas deviam estar sob o jugo de desgraças mais ou menos aparentes. Do mesmo modo, o espectáculo desolador que apresentava o interior desta casa repercutia-se nos costumes dos seus clientes habituais, também eles arruinados. Os homens usavam sobrecasacas cuja cor se tornara problemática, sapatos como aqueles que se deita fora nas imediações dos bairros elegantes, camisas gastas, roupas que já só tinham alma. As mulheres usavam vestidos passajados, tingidos, descorados, velhas rendas remendadas, luvas lustradas pelo uso, golas sempre ruças e lenços desfiados.





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