O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 11 / 279

Se assim eram as roupas, quase todos ostentavam corpos bem constituídos, daqueles que haviam resistido às tempestades da vida, com rostos frios, duros, apagados como os das moedas gastas. As bocas secas mostravam dentes ávidos. Estes pensionistas faziam pressentir dramas acabados ou ainda em curso; não esses dramas desenrolados à luz da ribalta, entre quadros pintados, mas dramas vivos e mudos, dramas gelados que revoltavam avidamente os corações, dramas contínuos.

A velha menina Michonneau guardava sobre os olhos cansados uma imunda pala de tafetá verde, que tinha em volta um arame em latão que teria espantado o anjo da Piedade. O seu xaile com franjas miseráveis e sem graça parecia tapar um esqueleto, visto as formas que escondia serem tão angulosas. Que ácido retirara a esta criatura as suas formas femininas? Devia ter sido bonita e bem feita: seria o vício, a tristeza, a cobiça? Teria amado demasiado, teria sido vendedora de favores ou apenas cortesã? Será que expiava os triunfos de uma juventude insolente onde esgotara todos os prazeres através de uma velhice de que os transeuntes fugiam? O seu olhar fazia calafrios, a sua figura enfezada ameaçava. Tinha a voz estridente de uma cigarra gritando no bosque quando o Inverno chega. Dizia ter cuidado de um velho que sofria de uma catarra na bexiga e fora abandonado pelos filhos, que o julgavam sem recursos. Este velho tinha-lhe legado mil francos de renda vitalícia, periodicamente disputada pelos herdeiros e às calúnias dos quais estava exposta. Apesar do jogo das paixões ter danificado a sua figura, ainda aí se encontravam alguns vestígios de uma brancura e de uma fineza cujo tecido permitia supor que o corpo conservava alguns restos de beleza.

O senhor Poiret era uma espécie de mecânico.





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