O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 129 / 279

Talvez a obra oposta, a pintura das sinuosidades nas quais um homem do mundo, um ambicioso, faz rolar a sua consciência, tentando ladear o mal para conseguir alcançar o seu propósito guardando as aparências, não seria nem menos bela nem menos dramática. Ao chegar à entrada da sua casa, Rastignac já estava apaixonado pela senhora de Nucingen, tinha-lhe parecido esbelta, fina como uma andorinha. A enebriante doçura de seus olhos, o tecido delicado e sedoso da sua pele debaixo da qual tinha pensado ver correr o sangue, o som encantador de sua voz, os seus loiros cabelos, lembrava-se de tudo; e talvez que a marcha, movimentando o sangue, ajudasse a esse fascínio. O estudante bateu com força na porta do pai Goriot.

- Meu vizinho - disse -, vi a senhora Delphine.

- Onde?

- Nos Italiens.

- Estava divertida? Mas entrai. - E o velhote, que se tinha levantado em camisa, abriu a porta e voltou rapidamente para o leito. - Falai-me então dela - pediu.

Eugène, que estava pela primeira vez nos aposentos do pai Goriot, não conteve um movimento de estupefacção ao ver a espelunca onde vivia o homem, após ter admirado a toilette da filha. A janela não tinha cortinado, o papel pintado colado sobre as paredes pendia em certos sítios devido à humidade e encarquilhava deixando aparecer o cimento amarelo do fumo. O bom homem jazia numa péssima cama, só tinha um cobertor muito fino e uma colcha almofadada feita com os bons bocados dos velhos vestidos da senhora Vauquer. O chão era húmido e cheio de pó. Em frente da janela via-se uma dessas velhas cómodas de madeira rosa inchada, que têm mãos de cobre torcido em varas decoradas com flores ou folhas e um velho móvel de tampo em madeira sobre o qual estava um pote com água dentro da bacia e todos os utensílios necessários para fazer a barba.





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