No entanto, gosto mais das minhas filhas do que Deus gosta do mundo, porque o mundo não é tão belo quanto Deus, e que as minhas filhas são mais belas do que eu. Impregnam tanto a minha alma, que tinha a sensação que as veria esta noite. Meu Deus! a um homem que tornasse a minha Delphine tão feliz quanto uma mulher o é quando é bem amada, eu engraxaria as botas, faria os seus recados. Soube pela criada dela que esse pequeno senhor de Marsay não é boa praça. Tive vontade de lhe torcer o pescoço. Não amar uma jóia de mulher, uma voz de rouxinol, e com uma tão bela figura! Onde tinha os olhos quando casou com esse brutamontes do Alsaciano? Ambas precisavam de jovens amáveis. Enfim, foi ao gosto delas.
O pai Goriot era sublime. Nunca Eugène o tinha podido ver iluminado pelos fogos da paixão paterna. Uma coisa digna de notar é o poder de infusão que possuem os sentimentos. Por mais grosseira que possa ser uma criatura, mal exprime um afecto forte e verdadeiro, exala um fluido particular que modifica a fisionomia, anima o gesto, dá cor à voz. Muitas vezes o ser mais estúpido chega, sob o esforço da paixão, à mais alta eloquência na ideia, se não for na linguagem, e parece mover-se numa esfera luminosa. Tinha neste momento na voz, 'no gesto desse velhote, o poder comunicativo que revela o grande actor. Mas os nossos belos sentimentos não serão as poesias da vontade?
- Pois bem! Não ficará zangado por saber - disse-lhe Eugène - que talvez vá romper com esse de Marsay. Esse dândi deixou-a para se atracar à princesa de Galathionne. Quanto a mim, esta noite, apaixonei-me pela senhora Delphine.
- Ora! - disse o pai Goriot.
- Sim. Não lhe fui indiferente. Falámos de amor durante uma hora e devo ir vê-la depois de amanhã, sábado.
- Oh! Como o amaria, meu caro senhor, se lhe agradasse.