O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 133 / 279

O senhor é bondoso, não a atormentaria. Se a traísse, cortar-lhe-ia a garganta, primeiro. Uma mulher não tem dois amores, percebe? Meu Deus! Mas estou a dizer tontices, senhor Eugène. Está frio aqui para si. Meu Deus! Então ouviu-a, que vos disse ela para mim?

«Nada», pensou para si Eugène.

- Disse-me - respondeu em voz alta - que vos mandava um grande beijo de filha.

- Adeus, meu vizinho, dormi bem, tenha bons sonhos, os meus já estão garantidos com estas palavras. Que Deus o proteja em todos os seus desejos! Foi para mim esta noite como um bom anjo, traz-me o ar da minha filha.

«Pobre homem», pensou Eugène ao deitar-se. «Qualquer coração de pedra ficaria sensibilizado. A filha pensou tanto nele como no rei de Espanha.»

A partir dessa conversa, o pai Goriot viu o vizinho como um confidente inesperado, um amigo. Tinha-se estabelecido entre eles os únicos laços pelos quais um velhote se pode apegar a outro homem. As paixões nunca fazem cálculos errados. O pai Goriot via-se assim um pouco mais perto da filha Delphine, achava que seria mais bem recebido se Eugène se tornasse querido da baronesa. Além disso, tinha-lhe confiado uma das suas dores. A senhora de Nucingen, a quem mil vezes por dia desejava felicidade, nunca tinha conhecido as alegrias do amor. É certo que, Eugène era, para utilizar a sua expressão, um dos jovens mais gentis que já tinha conhecido, e parecia pressentir que lhe daria todos os prazeres de que tinha sido privada. O velhote tomou-se então de urna amizade que ia crescendo e sem a qual talvez fosse impossível conhecer o desenrolar desta história.

Na manhã do dia seguinte, ao almoço, o afecto com que o pai Goriot olhava para Eugène, junto de quem se sentou, as poucas palavras que lhe disse e a mudança da fisionomia, normalmente igual a uma máscara de gesso, surpreenderam os pensionistas.





Os capítulos deste livro