O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 160 / 279

Hoje proponho dar-lhe uma bela fortuna em troca de um sinal seu que não o compromete em nada, e você hesita. O século está mole.

Eugène assinou a letra e trocou-a contra notas.

- Pois bem! Vejamos, falemos das razões - disse Vautrin. - Quero sair daqui dentro de alguns meses para a América, ir plantar o meu tabaco. Irei enviar-lhe os charutos da amizade. Se ficar rico, ajudá-lo-ei. Se não tiver filhos (caso provável, não estou ávido de ter de ficar aqui por causa de rebentos), pois! Bem, deixar-lhe-ei a minha fortuna. Não é isto ser-se amigo de um homem? Mas é que eu o amo. Tenho a paixão da devoção pelo outro. Já o fiz. Veja bem, meu pequeno, vivo numa esfera mais elevada do que a dos outros homens. Considero as acções como meios e só vejo a finalidade. O que é homem para mim? Isto! - disse, ao fazer estalar a unha do polegar debaixo dos dentes. - Um homem é tudo ou nada. É menos que nada quando se chama Poiret: pode-se pisá-lo como um escaravelho, é liso e cheira mal. Mas um homem é um deus quando é parecido consigo: não é mais uma máquina coberta de pele, mas um teatro onde se emocionam os mais belos sentimentos, e eu só vivo para os sentimentos. Um sentimento, não é o mundo num pensamento? Veja o pai Goriot: as duas filhas são para ele todo o universo, são o fio que o dirige na criação. Pois bem! Para mim que já cavei muito na vida, só existe um sentimento real, uma amizade de homem para homem. Pedro e Jaffier, eis a minha paixão. Sei Venise sauvèe de cor. Já viu muitas pessoas suficientemente viris para, quando um camarada lhes diz: «Vamos enterrar um corpo!» o fazerem sem dizer palavra, nem lhe dar lições de moral? Já fiz isso, eu. Não falaria assim a toda a gente. Mas você, você é um homem superior, pode-se dizer-lhe tudo, sabe compreender tudo.





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