O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 181 / 279

Feliz por poder permitir-se um desses actos de caridade que fazem vibrar todos os sentimentos da mulher, e que lhe fazia sem crime algum sentir o coração do jovem batendo sobre o seu, Victorine tinha na fisionomia algo de maternalmente protector que a tornava orgulhosa. Por entre os mil pensamentos que se elevavam no seu coração, surgia um movimento tumultuoso de volúpia excitado pela troca de um jovem e puro calor.

- Pobre querida! - disse a senhora Couture, apertando-lhe a mão. A senhora admirava esta cândida e sofredora figura, sobre a qual tinha descido a auréola da felicidade. Victorine parecia uma dessas pinturas ingénuas da Idade Média nas quais todos os acessórios são negligenciados pelo artista, que reservou a magia de um pincel calmo e orgulhoso para a figura de tom amarelo, mas onde o céu parece reflectir-se com os seus tons cor de ouro.

- No entanto, não bebeu mais de dois copos mamã - disse Victorine, passando os dedos na cabeleira de Eugène.

- Mas se fosse um depravado, minha filha, teria aguentado o vinho como todos estes. A bebedeira dele só lhe fica bem.

. O ruído de um carro soou na rua.

- Mamã - disse a jovem -, eis o senhor Vautrin. Pegai no senhor Eugène. Não gostaria de ser vista assim por esse homem, tem expressões que sujam a alma e olhares que incomodam uma mulher como se lhe estivesse a tirar o vestido.

- Não - disse a senhora Couture -, enganas-te! O senhor Vautrin é um bom homem, um pouco no género do defunto senhor Couture, brusco, mas bom, um benfeitor de aparência rude.

Nesse momento, Vautrin entrou devagarinho e olhou para o quadro formado por essas duas crianças que a luz da lâmpada parecia acariciar.

- Pois bem! - disse ele, cruzando os braços. - Eis umas dessas cenas que teriam inspirado as belas páginas desse bom Bernardin de Saint-Pierre, o autor de Paulo e Virgínia.





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