Capítulo 1: O PAI GORIOT
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A sua educação já começava a dar frutos. Já amava de forma egoísta. O tacto dele tinha-lhe permitido reconhecer a natureza do coração de Delphine. Pressentia que ela era capaz de andar sobre o corpo do pai para ir ao baile e não tinha nem a força de desempenhar o papel de pregador de moral, nem a coragem de lhe desagradar, nem a virtude de a deixar. «Nunca me iria perdoar de ter tido razão contra ela nesta situação» pensou. Depois ponderou as palavras dos médicos, compadeceu-se a pensar que o pai Goriot não estava tanto em perigo quanto pensava, enfim, acumulou raciocínios assassinos para justificar Delphine. Ela não conhecia o estado em que se encontrava o pai. O próprio velhote a mandaria de volta para o baile, se ela fosse vê-lo. Muitas vezes, a lei social, de fórmula implacável, condena aí mesmo onde o crime aparente é desculpado pelas inumeráveis modificações que introduzem no seio das famílias a diferença de caracteres, a diversidade dos interesses e das situações. Eugène queria enganar-se a si próprio, estava pronto a sacrificar a consciência pela amante. Desde há dois dias, tudo estava mudando na vida dele. A mulher tinha para lá atirado as suas barafundas, tinha tirado cor à família, tinha-se apoderado de tudo em proveito próprio. Rastignac e Delphine tinham-se encontrado nas condições ideias para ressentirem um com o outro os maiores prazeres. A paixão deles bem preparada tinha crescido com aquilo que mata as paixões, pelo gozo. Ao possuir essa mulher, Eugène tinha-se apercebido que até agora só á tinha desejado, só a amou no dia seguinte ao prazer: o amor é talvez apenas o reconhecimento do prazer. Infame ou sublime, adorava essa mulher pela volúpia que lhe tinha trazido como dote e por todas as que tinha recebido, tal como Delphine amava Rastignac tanto quanto Tântalo teria amado o anjo que teria vindo satisfazer à fome dele, ou saciar a sede de uma garganta seca.
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