O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 5 / 279

Entre esse alpendre e a janela da cozinha está a despensa, por cima da qual caem as águas gordurosas da pia. Este pátio dá directamente para a Rua Neuve-Sainte-Geneviêve através de uma porta estreita por onde a cozinheira deita o lixo da casa, limpando essa latrina com bastante água para evitar a pestilência.

Naturalmente destinado à exploração da pensão burguesa, o rés-do-chão é composto por uma primeira sala com a luz que lhe dão as duas janelas da rua e por onde se entra por uma porta de sacada. Este salão comunica com uma sala de jantar que é separada da cozinha pelo vão de uma escada cujos degraus são de madeira e de ladrilho esfregados e envernizados. Nada é mais triste de ver do que este salão mobilado com cadeirões e cadeiras de tecido de crina às riscas alternadamente brilhantes e baças. No meio está uma mesa redonda com tampo de mármore Sainte-Anne, decorado como esse serviço de chá de porcelana branca com fiozinhos de ouro semi-acabados, que encontramos hoje por todo o lado. Esta peça, bastante mal assente no soalho, está revestida de lambril até à altura do cotovelo. O resto das paredes tem um papel envernizado com representações das principais cenas de Telémaco, e cujas personagens clássicas estão coloridas. O painel entre as duas janelas gradeadas oferece aos pensionistas o quadro do festim dado ao filho de Ulisses por Calipso. Desde há quarenta anos que esta pintura desperta as brincadeiras dos jovens pensionistas, que se julgam superiores à posição que realmente têm, troçando com o jantar que a miséria lhes dá. A lareira de pedra, cujo centro sempre limpo atesta que só se faz aí lume nas grandes ocasiões, está ornada com dois vasos cheios de flores artificiais, envelhecidas e encarceradas, acompanhadas por um relógio de mármore azulado do pior gosto.





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