O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 7 / 279

o dedo como estilete, cadeiras estropiadas, pequenas esteiras lastimáveis em espartaria que se desenrolam sempre sem nunca desaparecerem, depois escalfetas miseráveis com buracos, partidas, com dobradiças desfeitas, cuja madeira se carboniza. Para explicar o quanto este mobiliário é velho, furado, podre, sem segurança, roído, maneta, mesquinho, inválido, moribundo, teria de se fazer uma descrição que atrasaria demasiado o interesse desta história e que as pessoas apressadas não perdoariam. O chão de ladrilho vermelho está cheio de covas feitas de tanto esfregar ou tanto ser pintado. Enfim, aqui reina a miséria sem poesia; uma miséria económica, concentrada, usada. Se ainda não tem lama, tem manchas; se não tem buracos nem farrapos, vai começar a apodrecer.

Esta divisão está no seu pleno esplendor na altura em que, p6r volta das sete horas da manhã, o gato da senhora Vauquer precede a sua dona; salta por cima dos louceiros, cheira o leite que está dentro de várias tigelas tapadas com pratos, e faz ouvir o seu ronron matinal. Depressa aparece a viúva, com a sua touca de tule debaixo da qual pende uma madeixa de cabelos mal arranjada; arrasta as pantufas com mau aspecto. O seu rosto envelhecido, gordinho, do centro do qual sai um nariz adunco, as mãos pequenas e gorduchas, a sua figura roliça como um rato da igreja, o seu corpete demasiado cheio e largo estão em harmonia com esta sala onde transpira a infelicidade, onde está bem aninhada a especulação e da qual a senhora Vauquer respira o ar demasiado fétido sem nunca se sentir agoniada. A sua figura fresca como a primeira geada de Outono, os seus olhos com rugas, cuja expressão passa do sorriso prescrito às bailarinas, ao amargo franzimento do cambista, enfim toda a sua pessoa explica a pensão, como a pensão implica a sua pessoa.





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