O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 82 / 279

Os ensinamentos que a cólera de uma mulher abandonada tinham arrancado à senhora de Beauséant, as suas ofertas capciosas voltaram a sua memória e a miséria comentou-as. Rastignac resolveu abrir duas alas paralelas para alcançar a fortuna, apoiar-se na ciência e no amor, ser um sábio doutor e um homem moderno. Ainda era uma criança! Essas duas linhas nunca se podem reunir.

- Está muito pensativo, senhor marquês - disse-lhe Vautrin, deitando-lhe um desses olhares com que parecia penetrar nos segredos mais escondidos no coração.

- Não estou mais disposto a suportar as zombarias de quem me chama senhor marquês - respondeu. -Aqui, para se ser verdadeiramente marquês é preciso ter cem libras de rendimento, e quando se vive na Casa Vauquer não somos propriamente uns afortunados.

Vautrin olhou para Rastignac com um ar paternal e menosprezante, como se tivesse dito: «Pirralha! Acabaria contigo com uma dentada!» Depois respondeu:

- Está de mau humor, talvez porque não tenha conseguido nada junto da bela condessa de Restaud.

- Fechou-me a porta por lhe ter dito que o pai dela comia à nossa mesa - gritou Rastignac.

Todos os convivas olharam-se entre si. O pai Goriot baixou os olhos e virou-se para limpar as lágrimas.

- Deitou-me tabaco para os olhos - disse para o vizinho.

- Quem insultar o pai Goriot de hoje em diante terá de se ver comigo - respondeu Eugène, olhando para o vizinho do antigo fabricante de aletria. - Vale mais do que nós todos. Não falo das senhoras - disse, virando-se para a menina Taillefer.

Esta frase foi o remate final, Eugène tinha-a pronunciado com um ar que impunha silêncio aos convivas. Apenas Vautrin disse, zombando:

- Para tomar conta do pai Goriot e tornar-se seu editor responsável, tem de saber segurar numa espada e atirar certeiro.





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