O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 88 / 279

O comércio dos grãos parecia ter absorvido toda a sua inteligência. Fosse trigo, farinhas, farelo, para reconhecer a qualidade, a proveniência, olhar pela conservação, prever os cursos, profetizar a abundância ou a penúria das colheitas, procurar-se os cereais a bom preço, ir buscá-los na Sicília, na Ucrânia, não havia outro como Goriot. Ao vê-lo conduzir os negócios, explicar as leis da exportação, da importação dos grãos, estudar os espíritos, apanhar os defeitos destes, um homem tê-lo-ia julgado capaz de ser ministro do Estado. Paciente, activo, enérgico, constante, rápido nas suas expedições, tinha um olho de águia, andava sempre à frente de tudo, previa tudo, sabia tudo, escondia tudo; diplomata para conceber, soldado para andar. Fora da sua especialidade, da sua simples e escura loja na porta da qual ficava durante horas sem nada fazer, de ombro encostado à entrada, voltava a ser o operário estúpido e grosseiro, o homem incapaz de compreender um raciocínio, insensível a todos os prazeres do espírito, o homem que adormecia nos espectáculos, um desses Dolibans parisienses, grande só na estupidez. Essas naturezas são todas, praticamente, iguais. Em quase todas encontrará um sentimento sublime no coração. Dois sentimentos exclusivos tinham preenchido o coração do fabricante de aletria, tinham absorvido a sua humidade, tal como o comércio dos grãos usava toda a inteligência da sua cabeça. A mulher, filha única de um rico quinteiro da Brie, foi para ele o objecto de uma admiração religiosa, um amor sem limites. Goriot tinha admirado nela a natureza frágil e forte, sensível e bela, que contrastava vigorosamente com a dele. Se existe um sentimento inato no coração do homem, não será o orgulho da protecção exercida em todo o momento em favor de um ser frágil? Juntai-lhe o amor, essa gratidão viva de todas as almas francas para com o motor de todos os seus prazeres, e compreenderá um tumulto de estranhezas morais.




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