Tinham-no associado às suas orações especiais a ele consagradas; pela manhã e à noite, aquelas almas piedosas faziam preces pela sua felicidade, pela sua prosperidade, pela sua salvação, e imploravam de Deus que arredasse do seu caminho todas as ciladas, que o livrasse dos seus inimigos e lhe concedesse uma vida longa e tranquila. Ao seu reconhecimento, renovado por assim dizer, de dia para dia, veio juntar-se. necessariamente, um sentimento de curiosidade que se tornou cada vez mais vivo. As circunstâncias que tinham acompanhado o aparecimento do desconhecido eram -o constante objecto das suas conversações, - aventavam mil conjecturas a seu respeito, e um benefício de novo género lhes vinha da distracção que isso representava para eles. A si próprios prometiam rodear o desconhecido da maior amizade na noite em que ele voltasse, como prometera, para celebrar o triste aniversário da morte de Luís XVI. Essa noite, tão impacientemente aguardada chegou, por fim. À meia-noite, o arrastar dos pesados passos do desconhecido ressoou na velha escada de madeira; o quarto estava preparado para o receber, o altar erguido. Desta feita as irmãs abriram a porta com antecipação, e as duas deram-se pressa em iluminar a escada. A Menina de Langeais desceu mesmo, alguns degraus para mais cedo ver o seu benfeitor.
- Suba - disse-lhe ela, numa voz comovida e afectuosa - suba, estamos à sua espera.
O homem ergueu a cabeça, lançou um olhar sombrio à religiosa e não respondeu; ela sentiu como que uma roupa de gelo a cair-lhe nos membros, e ficou calada; ao vê-lo, o reconhecimento e a curiosidade expiraram em todos os corações. Estava talvez menos frio, menos taciturno, menos terrível do que se afigurou àquelas almas, cuja exaltação de sentimentos as predispunha para os desafogos da amizade.
