Havia nas suas roupas vestígios de magnificência; a seda era usada, o xaile limpo; embota antiquado, as rendas meticulosamente consertadas; enfim, os trapos da opulência! Os pasteleiros, colocados entre a piedade e o interesse, começaram por aliviar a sua consciência com palavras:
- Mas cidadã, tu pareces muito fraca...
- Não quer tomar alguma coisa, minha senhora? - disse a mulher, interceptando a palavra do marido.
- Temos uma boa sopinha, - acrescentou o pasteleiro.
- Está tanto frio! A senhora deve ter arrefecido na rua. Porque não descansa aqui um bocadinho e não se aquece um pouco?
- Não somos tão feios como o diabo nos pinta! - exclamou o pasteleiro.
Conquistada pelo tom afável que animava as palavras dos caridosos pasteleiros, a senhora confessou que fora seguida por um desconhecido, e que estava com medo de voltar sozinha para casa.
- É só por isso? - tornou-lhe o homem do gorro encarnado. - Espera aí, cidadã.
Entregou o luís à mulher; e, movido por essa espécie de reconhecimento que se insinua na alma de um comerciante quando recebe um preço exorbitante por uma mercadoria de medíocre valor, foi enfiar a farda de guarda-nacional, pegou no chapéu, pôs ao ombro o fuzil de pederneira e voltou a aparecer armado: mas a mulher tivera, entretanto, tempo para reflectir. Como acontece com outros corações, a reflexão cerrou a mão aberta da beneficência. Inquieta, e receosa de ver o marido metido em qualquer trapalhada, a mulher do pasteleiro procurou, puxar-lhe pelas abas da casaca, para o deter; mas, obediente a um sentimento de caridade, o digno homem ofereceu-se para escoltar a velha senhora.
- Parece que o homem de quem a cidadã tem medo continua ainda a rondar a loja - disse, vivamente, a rapariga.
