- Receio bem que sim - tornou, ingenuamente, a senhora.
- E se fosse um espião?... Se fosse uma conspiração? Não vás e fica outra vez com a caixa.
Estas palavras, segredadas ao ouvido do pasteleiro pela mulher, gelaram a coragem espontânea de que ele estava possuído.
- Olhe, o melhor é eu dizer-lhe duas coisas, e desembaraçá-la do homem! - exclamou o pasteleiro; abrindo a porta e saindo precipitadamente.
A velha senhora, passiva como uma criança e quase como que idiota voltou a sentar-se na cadeira. O honesto comerciante não tardou a aparecer: o rosto, vermelho de seu natural, e enrubescido, de resto, pelo calor do forno, tornara-se-lhe subitamente lívido; agitava-o um medo tal que as pernas lhe tremiam e os olhos faziam lembrar os de um ébrio.
- Com que então queres que nos cortem a cabeça, miserável aristocrata? - exclamou, furioso. - Trata de te pores a andar, e não voltes a aparecer aqui. Não contes comigo para fornecer elementos para as tuas conspirações!
Ao dizer estas palavras, o pasteleiro procurou tirar à velha senhora a caixinha de cartão, que ela metera numa das algibeiras. Mas as mãos ousadas do pasteleiro lhe roçaram pelos vestidos, logo a desconhecida, que preferia confiar-se aos perigos do caminho, entregue nas mãos de Deus, a renunciar ao que acabava de adquirir, recuperou a agilidade da juventude: correu para a porta, abriu-a bruscamente e desapareceu da vista da mulher e do marido, estupefactos e trémulos. Logo que a desconhecida se viu na rua pôs-se a caminhar rapidamente; mas não tardou que lhe faltassem as forças, pois voltara a ouvir o espião por quem era impiedosamente seguida, o qual continuava a fazer ranger a neve debaixo dos seus pesados pés: viu-se obrigada a parar, e1e parou também; não ousava nem falar-lhe nem olhar para ele; ou fosse por medo ou por falta de expediente.
