O autor destas viagens, senhor Lemuel Gulliver, é meu amigo íntimo desde há muitos anos; estamos também ligados por alguns laços familiares pelo lado materno. Há aproximadamente três anos o senhor Gulliver, que estava já a fartar-se da multidão de curiosos que invadia a sua casa de Redcriff, comprou um pequeno terreno com uma agradável vivenda perto de Newark, no condado de Nottingham, seu condado natal. É ali onde actualmente vive, reformado e rodeado pela estima dos seus vizinhos.
Ainda que o senhor Gulliver tenha nascido em Nottingham, onde residia o pai, ouvi-lhe dizer que a família provinha de Oxford. Comprovei isso de certa forma quando observei no cemitério de Banbury (Oxford) diversos túmulos e jazigos com o nome de Gulliver.
Antes de abandonar Redcriff entregou-me o manuscrito da obra que aqui publicamos, dando-me a liberdade de dispor dele a meu bel-prazer, Por três vezes o examinei com atenção. O estilo é simples e sem artifícios. E o único defeito que lhe acho é que o autor, como outros viajantes, pormenoriza em excesso. O conjunto manifesta grande dose de veracidade. Com efeito, esta é uma qualidade tão notável neste autor que, ao afirmar-se algo, converteu-se numa máxima, entre os vizinhos de Redcriff, dizer: «É tão verdadeiro como se o senhor Gulliver o tivesse dito.»
Sigo a recomendação de diversas personalidades a quem mostrei o manuscrito com autorização do autor e atrevo-me a apresentá-lo agora ao público. Espero que seja, pelo menos durante algum tempo, um entretenimento mais proveitoso para os jovens nobres que os assuntos dos escritorzecos políticos e partidários.
Este volume teria pelo menos o dobro do tamanho se não tivesse decidido eliminar inúmeros passos relativos a ventos e a marés, explicações sobre variações, ângulos e cartas marítimas, as pormenorizadas descrições de como manobrar um barco numa tempestade.