Acrescentei que a vida que levara desde que me tinha tomado a seu cargo fora suficientemente dura para matar um animal dez vezes mais forte que eu e que a minha saúde estava muito abalada pelo contínuo esforço de entreter a populaça e que se o meu amo não tivesse pensado que a minha vida corria perigo talvez Sua Majestade não me adquirisse por tão baixo preço. Mas uma vez que já não sentia qualquer temor de ser maltratado estando sob a protecção de tão grande e bondosa imperatriz, adorno da natureza, adoração do mundo, alegria dos súbditos e fénix da criação, contava que as preocupações do meu anterior amo não teriam fundamento, pois já sentia que o meu espírito tinha um novo alento sob o influxo da sereníssima presença.
Esta foi a substância do meu discurso, pronunciado de forma imprecisa e vacilante; o final era conforme ao estilo característico daquelas gentes, tal como aprendera com Glumdalclitch antes de vir para a corte.
A rainha, que foi muito indulgente com a minha dicção defeituosa, sentia-se, no entanto, surpreendida por um animal tão diminuto possuir tão grande entendimento e senso comum. Pegou-me na mão e levou-me até ao rei que, nessa altura, estava retirado no seu gabinete. Sua Majestade o rei, um príncipe muito grave e de semblante austero, não se dando conta à primeira vista da minha configuração, perguntou friamente à rainha desde quando adquirira um splucknuck, pois tomara-me como tal enquanto jazia deitado sobre o peito na mão direita de Sua Majestade a rainha. Mas esta princesa, que possuía humor e inteligência infinitas, depositou-me suavemente de pé sobre a escrivaninha e ordenou-me que eu próprio explicasse quem era, o que fiz em poucas palavras; e Glumdalclitch, que esperava à porta do aposento pois não queria perder-me de vista, foi convidada a entrar e contou tudo o que me sucedera, desde a minha chegada à casa do seu pai.