As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 30 / 339

Produziu-se um abalo ainda maior que o que ocorrera com a espada. Desfaleceram às centenas como se, de facto, tivessem sido mortos a tiro, e mesmo o imperador, apesar da sua têmpera, teve dificuldade em dominar-se. Entreguei as pistolas e a bolsa com a pólvora e as balas, não sem avisar de que deveriam mantê-las afastadas do fogo, pois bastaria uma fagulha para as detonar e provocar a destruição de todo o palácio imperial. Ofereci também o relógio, que atraía muito a atenção do imperador, ordenando este que dois alabardeiros dos mais corpulentos o prendessem a um poste sobre os seus ombros, tal como o fazem os carreteiros ingleses quando transportam cubas de cerveja. Entusiasmava-o o ruído ininterrupto que emitia e o movimento do ponteiro dos minutos que via com clareza, já que a sua vista é muito mais aguda que a nossa. Pediu o parecer dos sábios que o rodeavam, os quais, como o leitor pode imaginar sem necessidade de comentários adicionais e mesmo sem que eu tenha percebido tudo, emitiram diversas opiniões. Pouco depois entreguei as moedas de prata e de cobre, a carteira com algumas peças de ouro, grandes e pequenas, o canivete e a navalha, o pente e a tabaqueira de prata, o lenço e o diário. A espada, as pistolas e a bolsa foram transportadas em carros para os armazéns reais; o resto dos meus bens foi-me devolvido.

Como já referi anteriormente, tinha um bolso secreto que lhes passou despercebido. Guardava ali uns óculos que, às vezes, devido à minha vista deficiente, utilizo: um óculo de bolso e outros pequenos utensílios que não me considerei obrigado a mostrar ao imperador; além de que receava, caso os entregasse, que se perdessem ou estragassem.





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