Confesso abertamente que os meus escassos mas valiosos conhecimentos foram adquiridos nas lições que o meu amo me deu e nas conversas entre ele e os amigos em que estive presente. Dar-me-ia mais orgulho escutá-las que dirigir a palavra à mais vasta e sábia assembleia da Europa. Admirava a força, beleza e agilidade dos seus habitantes; e tal esteio de virtude em seres tão agradáveis infundia-me a veneração mais profunda. É verdade que a princípio não senti a admiração instintiva que os yahoos e o resto dos animais tinham por eles. Mas, muito mais cedo do que podia imaginar, foi crescendo progressivamente, mesclada com gratidão e respeitoso afecto, pela sua condescendente preferência, distinguindo-me dos demais da minha espécie.
Quando pensava na minha família e nos meus amigos, nos meus compatriotas ou no género humano em geral, considerava-os como aquilo que realmente eram, yahoos pelo aspecto e pelas características morais, só que um pouco mais educados e dotados do dom da palavra e que utilizavam a razão para aperfeiçoar e incrementar aqueles vícios que os seus irmãos deste país tinham recebido por natureza. Quando contemplava o meu próprio reflexo num tanque ou numa fonte, virava o rosto com horror e asco de mim mesmo. Suportava melhor a visão de um vulgar yahoo que a minha própria. À força de viver com os houyhnhnms e de os observar com admiração, comecei a imitar o seu comportamento e gestos, como se fosse uma segunda natureza. Os meus amigos costumam dizer-me amiúde, com rudeza, que «troto como um cavalo». No entanto, para mim, isto é um enorme cumprimento. Não posso tão-pouco deixar de reconhecer que ao falar tenho uma tendência para imitar o tom e a voz dos houyhnhnms; e não me sinto em nada ferido se alguém zomba de mim por isso.
