O marasmo que se apoderou de mim parecia uma antevisão da minha redução ao nada. Provocava-me um certo reconforto, como se a minha alma se reconciliasse agora e de repente com uma eternidade de cegas calmarias.
Apenas o instinto de marinheiro sobrevivia, intacto, no meio de tão grande desintegração moral. Desci a escada para a to Ida. A luz das estrelas parecia ir apagar-se antes de eu ter tempo de chegar, mas quando perguntei: «Estão todos aí, vocês?», os meus olhos divisaram linhas de sombra que se levantavam bruscamente à minha volta, vultos poucos e indistintos: e uma voz falou: «Todos a postos, comandante». Uma outra voz corrigiu, angustiadamente:
«Todos os que ainda servem para alguma coisa, comandante.»
Ambas as vozes soaram tranquilas e sem excitação; não tinham qualquer nota particular de resolução ou desalento. Eram vozes perfeitamente normais.
«Temos que carregar esta vela grande», disse-lhes eu. As sombras afastaram-se de mim, balouçando e sem uma palavra. Pareciam ter-se tornado nos seus próprios fantasmas, aqueles homens, e igualmente o seu peso, em cima de um cabo, não era maior que o de uma mão cheia de fantasmas. Realmente, se alguma vez uma vela foi transportada por uma força meramente espiritual, foi com certeza aquela vela, porque não havia, a bem dizer, em todo o barco força muscular suficiente para semelhante tarefa, a não ser a do grupo miserável que se encontrava no convés. Eu fui, evidentemente, o primeiro a deitar-me ao trabalho. Os homens mexiam-se com dificuldade atrás de mim, de cabo em cabo, tropeçando arquejantes. Esforçavam-se como titãs. Gastámos pelo menos uma hora naquilo e durante todo esse tempo, o universo mergulhado em escuridão não deu sinais de si. Quando a última carregadeira ficou com volta, os meus olhos, acostumados ao escuro, vislumbraram vultos de homens exaustos, debruçados das amuradas, inclinados nas escotilhas.
