Levantei-me vivamente, enquanto ele se afastava para me dar passagem. Quando ia a atravessar o corredor ao fundo da escada, ouvi a voz de Burns a dizer:
«Por favor, feche-me a porta do camarote, despenseiro», e a de Ransome, com sensível surpresa, a responder-lhe: «Vou fechá-la, sim, senhor imediato».
Pensei que toda a minha sensibilidade se embotara numa indiferença total. Mas no tombadilho redescobri-me na situação penosa de sempre. A treva impenetrável cingia tão estreitamente o barco que tínhamos a sensação de que se estendêssemos a mão para fora da borda, tocaríamos uma substância de outro mundo. Havia em tudo uma sugestão indescritível de terror e mistério cerradíssimos. A", poucas estrelas, ao alto de nós, difundiam uma vaga claridade que se limitava ao navio, sem o menor reflexo no mar, como emanações de luz isoladas repassando uma atmosfera mudada em fuligem. Era uma coisa como eu nunca vira outra, que não apresentava o menor sinal de poder vir a evoluir, como a aproximação de uma ameaça que irrompia por todos os lados.
Ao leme, não estava ninguém ainda. Todas as coisas se encontravam na mais perfeita imobilidade. Se a atmosfera enegrecera de tão escura, o mar, tanto quanto o podia reconhecer, tinha-se tornado certamente sólido. Não servia de nada olhar nesta ou naquela direcção, tentar surpreender o mais pequeno indício, especular sobre a proximidade de qualquer momento mais favorável. Quando a ocasião própria chegasse, as trevas dominariam em silêncio a pouca luz das estrelas que caía ainda sobre o barco e o fim de tudo viria sem um suspiro sequer, sem um movimento, sem murmúrio algum, e todos os nossos corações deixariam de pulsar, como relógios a que a corda se acabasse.
Era impossível afastar esta impressão de instante supremo.