Tufão - Cap. 1: I Pág. 12 / 103

O capitão MacWhirr, entretanto, tinha ido para a ponte, e para a casa de navegação, onde uma carta começada dois dias antes aguardava o fecho. Essas compridas cartas principiavam com as palavras «Minha querida mulher», e o camaroteiro, entre o esfregar dos soalhos e o espanar das caixas dos cronómetros, aproveitava todas as oportunidades para lê-las. Elas interessavam-lhe muito mais do que podiam interessar à mulher a quem se dirigiam; e isso pela simples razão de relatarem minuciosamente todos os pormenores de cada sucessiva viagem do Nan-Shan.

O capitão, fiel aos factos que a sua consciência reflectia com exclusão de tudo o mais, descrevia-os com meticuloso cuidado ao longo de muitas páginas. A casa num subúrbio meridional para onde essas páginas eram dirigidas tinha um bocado de jardim diante das janelas salientes, um átrio profundo de boa aparência, vidro colorido com caixilhos imitando chumbo na porta da frente. O capitão pagava por ela cinquenta e quatro libras de renda anual, e não a achava muito elevada porque a senhora MacWhirr (uma criatura pretensiosa com um pescoço descarnado e ares desdenhosos) era reconhecidamente uma pessoa fina, considerada no bairro como «verdadeiramente superior». O único segredo da sua vida era o terror abjecto em que vivia do dia em que seu marido chegasse a casa para ficar para sempre. Sob o mesmo tecto habitavam também uma filha chamada Lídia e um filho, Tom. Estes dois apenas conheciam superficialmente o pai. Conheciam-no sobretudo como um visitante raro mas privilegiado que uma noite por outra fumava o seu cachimbo na sala de jantar e dormia em casa. A rapariga esgalgada, de um modo geral, sentia-se bastante envergonhada dele; o rapaz sentia-se franca e soberanamente indiferente, dessa maneira simples, deliciosa e natural que é própria dos adolescentes varonis.





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