a sentiu; e sentando-se na cama, apesar dos emplastros, e com dores das costelas, estendeu os braços para receber a sua formosa donzela, a asturiana, que toda encolhida e calada ia com as mãos adiante procurando o seu querido. Topou ela com os braços de D. Quixote, o qual lhe travou rijamente da mão, e puxando-a para si, sem que ela ousasse proferir palavra, a fez sentar-se sobre a cama.
Apalpou-lhe logo a camisa; e ainda que ela era de serapilheira, a ele lhe pareceu de delgado e finíssimo bragal. Trazia a moça nos pulsos umas contas de vidro, que a ele se representavam preciosas pérolas orientais. Os cabelos, que algum tanto atiravam para crinas, pareciam-lhe fios de luzentíssimo ouro da Arábia, cujo esplendor ao do próprio sol escurecia; e o bafo, que sem dúvida alguma cheirava a alguns restos de carne da véspera, representou-se-lhe um hálito suave e aromático. Finalmente, na fantasia a ideou tal qual como tinha lido em seus livros acerca da outra Princesa, que veio ver o mal ferido cavaleiro, vencido dos seus amores, com todos os adornos que se aqui declaram.
Tamanha era a cegueira do pobre fidalgo, que nem o tato, nem o cheiro, nem outras coisas, que em si trazia a boa donzela, o desenganavam, com serem tais, que fariam vomitar a quem quer que não fosse arrieiro; antes lhe parecia que tinha nos braços a deusa da formosura. Estreitando-a neles, com voz amorosa e baixa lhe disse:
— Quisera achar-me em termos, formosa e alta senhora, de poder pagar tamanha mercê como esta que me haveis feito com a vista da vossa grande formosura. Porém a fortuna, que se não cansa de perseguir aos bons, quis prostrar-me neste leito, onde me acho tão moído e quebrantado, que, por maior vontade que eu tivesse de vos satisfazer, de modo nenhum o poderia.