Valha-me Deus! e quantas mais províncias não disse! quantas nações não nomeou, dando a cada uma, e com maravilhosa presteza, os atributos que lhe pertenciam, todo absorto e repassado do que tinha lido nos seus livros mentirosos!
Embasbacado estava Sancho Pança com tanto palavrório sem dizer nem pio; de quando em quando voltava a cabeça para ver se avistava os cavaleiros e gigantes que o amo nomeava; e como não descobria nem meio, lhe disse:
— Senhor meu, leve o diabo tudo isso, que não vejo por todo este descampado homem, nem gigante, nem cavaleiro nenhum dos que menciona. Eu ao menos não percebo tal. Talvez seja tudo encantamento como os avejões desta noite.
— Como! pois não ouves o rinchar dos cavalos? o toque dos clarins, e o trovejar dos tambores?
— O que eu ouço — respondeu Sancho — são muitos balidos de carneiros e ovelhas; mais nada.
E era verdade, porque os dois rebanhos já vinham muito perto.
— O medo que tens — disse D. Quixote — é que faz, Sancho, que nem vejas, nem ouças às direitas, porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são. Se tão medroso és, retira-te para onde quiseres, e deixa-me só, que basto eu para dar a vitória à parcialidade a quem ajude.
E, falando assim, cravou as esporas em Rocinante; e, posta a lança em riste, baixou da lomba como um raio. Dava-lhe vozes Sancho, dizendo:
— Volte para trás, senhor D. Quixote, que voto a Deus que isso que vai investir são carneiros e ovelhas. Volte para trás. Mal haja o pai que me gerou. Forte loucura! Repare bem, que não há gigante, nem cavaleiro, nem gatos, nem escudos partidos nem inteiros, nem veiros azuis, nem endiabrados. Que faz? pecados meus!
Nem com tudo aquilo se refreava D.