Iam não obstante caminhando, que, visto ser aquela a estrada real, por boa razão a uma ou duas léguas se encontraria nela alguma venda.
Indo pois desta maneira, a noite escura, o escudeiro esfaimado, e o amo com boa vontade de comer, viram que, pelo caminho mesmo que levavam, se dirigia para eles grande multidão de luzes, que não pareciam senão estrelas errantes. Pasmou Sancho quando as avistou, e D. Quixote não deixou de as estranhar.
Sofreou um pelo cabresto ao asno, e o outro pelas rédeas ao rocim, e ficaram parados à espera do que surdiria. Viram que as luzes se lhes iam aproximando, e, quanto mais se aproximavam, maiores pareciam. Àquela vista Sancho pôs-se a tremer como um azougado, e ao próprio D. Quixote se arrepiaram os cabelos. Este, porém, animando-se um tanto, disse:
— Esta é, que sem dúvida, Sancho, deve ser grandíssima e perigosíssima aventura, e será necessário mostrar eu nela todo o meu valor e esforço.
— Malfadado de mim! — respondeu Sancho — se acaso esta aventura for de fantasmas, segundo me vai parecendo, onde haverá costelas que lhes bastem?
— Por mais fantasmas que venham — respondeu D. Quixote — não consentirei que te ponham mão nem num pelinho do fato. Se da outra vez zombaram contigo, foi porque não pude saltar as paredes do pátio; mas agora estamos em terreno raso, onde posso à vontade esgrimir a espada.
— E se o encantam e o tolhem, como da outra vez fizeram — disse Sancho — que valerá estar ou não em terreno raso?
— Apesar disso tudo — replicou D. Quixote — peço-te, Sancho, que tenhas ânimo; verás o meu.
— Hei-de ter, se Deus quiser — respondeu Sancho.
E, apartando-se ambos para a orla do caminho, tornaram a olhar atentamente no que poderia ser aquilo, e as luzes que lá vinham.