— Nem todas as coisas — respondeu D. Quixote — sucedem do mesmo modo; a desgraça foi, senhor bacharel Afonso Lopes, o virdes, como viestes, de noite, vestidos com aquelas sobrepelizes, com as tochas acesas, rezando, cobertos de luto, que parecíeis tal qual coisas más e do outro mundo; por isso é que não pude deixar de cumprir a minha obrigação acometendo-vos, e à fé que vos acometeria, ainda que soubera serdes os próprios Satanases do inferno, que por tais vos julguei e tive sempre.
— Já que assim o quis a minha desgraça — disse o bacharel — suplico a Vossa Mercê, senhor cavaleiro andante, que tão má andança me há dado, me ajude a sair debaixo desta mula, que me tem presa esta perna entre o estribo e a sela.
— Até amanhã ficaria eu a palestrar — redarguiu D. Quixote — mas para quando deixáveis o queixar-vos?
Nisto entrou logo a bradar por Sancho que viesse; mas Sancho é que não fez caso de acudir, porque andava ocupado em aliviar uma azêmola carregada de vitualhas, que os bons dos padres traziam.
Engenhou Sancho do seu gabão uma espécie de saco; e, recolhendo nele tudo o que pôde e lhe coube dentro, o cargou para cima do seu jumento, e para logo acudiu aos brados do amo, e ajudou a livrar o senhor bacharel da opressão da mula; pô-lo para cima dela, e lhe deu a sua tocha, e D. Quixote lhe disse que seguisse na direção dos companheiros, e que da parte dele lhes pedisse perdão do agravo, que não tinha estado em sua mão deixar de lhes fazer.
A isto ajuntou ainda Sancho:
— Se por acaso quiserem saber esses senhores quem há sido o valoroso que tais os pôs, Vossa Mercê lhes dirá que foi o senhor D.