Deixou-os pegar no sono; e, como os malvados são sempre desagradecidos, e a necessidade persuade a fazer o que se não deve, e um recurso à mão se não há-de enjeitar fiando nas incertezas do futuro, Ginez, que não era nem agradecido nem dos melhormente intencionados, resolveu furtar o asno a Sancho Pança, não fazendo caso de Rocinante, em razão de ser prenda tão fraca para empenhada como para vendida.
Dormindo pois Sancho, furtou-lhe a alimária, e antes que amanhecesse já estava bem longe de o poderem achar.
Saiu a aurora alegrando a terra, e entristecendo a Sancho, por achar de menos o seu ruço. Vendo-se sem ele, começou a fazer o mais triste e dolorido pranto do mundo; e tanto, que D. Quixote despertou com o alarido, e percebeu por entre ele estas palavras:
— Ó filho das minhas entranhas, nascido na minha mesma casa, entretenimento de meus filhos, regalo de minha mulher, inveja dos meus vizinhos, alívio dos meus trabalhos, e finalmente meio mantenedor de minha pessoa, porque, com vinte e seis maravedis que me ganhavas cada dia, segurava eu metade das minhas despesas!
D. Quixote, que viu o pranto, e lhe soube a causa, consolou a Sancho com as melhores razões que pôde, e lhe pediu que tivesse paciência, prometendo-lhe uma ordem escrita para que lhe dessem em sua casa três burricos, de cinco que lá tinha deixado.
Respirou Sancho com a promessa, limpou as lágrimas, moderou os soluços, e agradeceu a D. Quixote a mercê que lhe fazia.
O amo como entrou por aquelas montanhas, alegrou-se-lhe o coração, parecendo-lhe aqueles lugares acomodados para as aventuras que buscava.