E, folheando quase todo o livrinho, achou outros versos e cartas de que pôde ler parte, e parte não; mas em geral eram tudo queixas, lamentos, desconfianças, gostos e desgostos, favores e desdéns, os favores festejados e os desdéns carpidos.
Enquanto D. Quixote revolvia o canhenho, revolvia Sancho a maleta, sem deixar recantinho em toda ela, nem no coxim, que não esquadrinhasse, nem costura que não descosesse, nem nó de lã que não carpeasse, para lhe não escapar nada por falta de diligência e cuidado; tal sofreguidão tinha nele despertado a melgueira dos escudos, que passavam de cem; e, ainda que não achou mais, já com isso deu por bem empregados os boléus da manta, os vômitos do bálsamo, as bênçãos das estacas, as punhadas do arrieiro, o desaparecimento dos alforjes, o roubo do gabão, e toda a fome, sede e cansaço que passara no serviço de seu bom senhor, entendendo que estava pago e repago, com a mercê de lhe entregar a rica veniaga.
Com grande desejo ficou o cavaleiro da Triste Figura de saber quem seria o dono da maleta, conjecturando pelo soneto, e carta, pelo dinheiro em ouro, e pelas boas camisas, que poderia tudo pertencer a algum namorado de grande conta, a quem desdéns e maus tratos da sua dama teriam conduzido a algum termo desesperado. Mas como por aquele sítio inabitável e escabroso não aparecia viva alma com quem se pudesse informar, não tratou de mais, que de seguir adiante, sem levar outro caminho senão o que agradava a Rocinante, que era o por onde ele melhor podia andar.
Ia sempre com as fantasias infalíveis de que por aqueles matos lhe não poderia faltar alguma estranha aventura.
Indo pois com aquela ideia, viu que por cima de um pequeno teso, que diante dos olhos se lhe oferecia, ia saltando um homem de penha em penha, e de mata em mata, com estranha ligeireza.