como o víramos da primeira vez tão outro de agora, porque já lhes tenho dito que era um moço mui gentil e engraçado, e em seu falar, cortês e concertado, mostrava ser bem nascido e pessoa mui de corte, que, ainda que éramos uns rústicos os que o ouvíamos, tanto avultava o seu donaire, que até a rústicos se dava a conhecer.
Estando no melhor da sua prática, parou e emudeceu, cravou os olhos no chão por um bom espaço, em que todos estivemos quietos e suspensos, esperando em que pararia aquele arroubamento que tanto nos lastimava, porque pelo que lhe víamos fazer de abrir os olhos, tê-los fitos no chão e sem pestanejar um grande pedaço, e outras vezes cerrá-los, mordendo os lábios, e arqueando os sobrolhos, facilmente percebemos que algum acesso de loucura o havia tomado. Depressa nos mostrou que nos não enganávamos, porque se levantou furioso do chão onde se tinha deitado, e arremeteu com o primeiro que achou à mão, com tal denodo e raiva, que, se lhe não acudíramos, o matara a murros e dentadas; e tudo aquilo fazia dizendo ao mesmo tempo: “Ah! fementido Fernando! aqui, aqui me hás-de pagar as injustiças que me fizeste; estas mãos te hão-de arrancar o coração, receptáculo de quantas maldades há, e especialmente de traição e enganos.” E a estas ajuntava outras razões todas encaminhadas a dizer mal daquele tal Fernando, e a pô-lo por traidor e fementido. Deixamo-lo não pouco pesarosos, e ele, sem dar mais palavra, se partiu de entre nós, e se emboscou à carreira por estes matos e brenhas, por modo que não houve podermos segui-lo.
Daqui entendemos que à mania tinha intervalos, e que algum chamado Fernando lhe fizera provavelmente alguma tamanha malfeitoria, como se via pelo desfecho em que dera. De então para cá se reconheceu