Era aquele um dos calmosos dias de Agosto, que por essas partes costumava ser as zinas do verão; a hora, as três da tarde; o que tudo concorria para tornar o sítio mais aprazível e convidativo para nele esperarem como de feito fizeram.
Estando assim ambos remansados e à sombra, chegou-lhes aos ouvidos uma voz, que, desacompanhada de instrumento algum, soava doce e regaladamente, do que não pouco se admiraram, por lhes parecer que não era lugar aquele onde se esperar quem tão bem cantasse, porque deixar dizer que pelos bosques e campos se acham pastores de vozes peregrinas mais são isso encarecimentos de poetas, que verdades. A mais subiu ainda a maravilha, quando repararam serem versos o que ouviam cantar, não de estilo de pegureiros rústicos, mas de cortesãos discretos; no que os foi confirmando cada vez mais o teor das letras, que dizia assim:
Quem menoscaba meus bens?
desdéns.
Quem mais ceva meus queixumes?
ciúmes.
Quem me apura a paciência?
a ausência.
De meu fado na inclemência, nenhum remédio se alcança, pois me dão morte: esperança, desdéns, ciúmes e ausência.
Quem me causa tanta dor?
amor.
Quem me as glórias arruína?
mofina.
Quem às dores me há votado?
o fado.
Receio me é pois fundado morrer deste mal tirano, pois conspiram em meu dano o amor, a mofina e o fado.
Quem pode emendar-me a sorte?
a morte.
O bem de amor quem no alcança?
mudança.
E seus males quem os cura?
loucura.
Então em vão se procura remédio algum a tais chagas, sendo-lhe únicas triagas morte, mudança, loucura.
A hora, a conjuntura, a soledade, a voz e a perícia do cantor, causaram maravilha e contentamento nos dois ouvintes, que ficaram imóveis, aguardando continuação; como porém o silêncio se prolongasse, determinaram sair à procura de tão esmerado músico.