Capítulo 28: CAPÍTULO XXVII - De como se houveram o cura e o barbeiro, com outras coisas dignas de ser contadas nesta grande história.
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de ser meu pai quem para mim a pedisse; o que eu a ele não ousava dizer-lhe com receio de que mo recusasse, não porque não estivesse convencido da nobreza, bondade, virtude e formosura de Lucinda, em suma, de que tinha méritos bastantes para enobrecer qualquer outra linhagem de Espanha, mas sim porque tinha para mim que o seu desejo era que eu me não casasse tão depressa, antes de ver o que o Duque Ricardo faria da minha pessoa. Em conclusão, disse-lhe que me não aventurava a fazer semelhante súplica a meu pai, tanto por aquele inconveniente, como por outros muitos que me acovardavam, sem bem saber quais eram. Parecia-me que desejos meus nunca haveriam de chegar a efetuar-se. A tudo isto me respondeu D. Fernando que tomava a si o falar a meu pai, e resolvê-lo a entender-se com Lucinda! Ó Mário ambicioso! ó Catilina cruel! ó facinoroso Sila! ó Galalão embusteiro! ó Belido traidor! ó Julião vingativo! ó Judas cobiçoso! ó traidor, cruel, vingativo e embusteiro! que mal te havia feito este triste, que tão sincero te descobriu os segredos e contentamento da sua alma? que ofensas te fiz? que palavras te disse ou conselhos te dei que não fossem inteiramente encaminhados a acrescentar o teu decoro e proveito? Mas de que me queixo, desgraçado de mim, pois é coisa infalível que em as estrelas nos influindo o infortúnio, como são mandatos de cima, despenhados com furor e violência, não há força na terra que os detenha, nem indústria humana que os possa precaver? Quem havia de imaginar que D Fernando, cavaleiro ilustre, discreto, obrigado de meus serviços, com posses para alcançar o que os seus apetites amorosos lhe pedissem, onde quer que pusesse a mira, se havia de empenhar, como se costuma dizer, em me furtar a mim uma só ovelha que eu nem ainda possuía? Mas deixemo-nos destas considerações escusadas, que já nada aproveitam, e atemos o quebrado fio da minha história.
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