e acontecimentos dos nossos vizinhos e conhecidos; e o mais a que se atrevia a minha desenvoltura era tomar-lhe quase à força uma das suas belas e brancas mãos, e chegá-la à boca, segundo no-lo consentia o apertado duma grade baixa que nos separava. Naquela véspera porém da minha partida ela chorou, gemeu, suspirou e foi-se, deixando-me cheio de confusão e sobressalto, espantado de ter visto tão novas e tão tristes mostras de dor e sentimento em Lucinda; mas eu para não aniquilar as minhas esperanças, atribuí tudo à força do amor que ela me tinha, e à dor que a ausência costuma causar nos que bem se querem. Enfim, parti-me triste e pensativo, com a alma cheia de imaginações e suspeitas, sem saber o que suspeitava ou imaginava; claros indícios que me prognosticavam já o triste sucesso e desventura que me aguardavam.
Cheguei ao lugar onde era enviado, dei as cartas ao irmão de D. Fernando, fui bem recebido, mas bem despachado não, porque me deu ordem de esperar oito dias, com grande desgosto meu, recomendando-me que o Duque seu pai me não avistasse, porque a quantia que o irmão pedia lhe mandasse era a ocultas dele. Tudo armadilhas do falso D. Fernando, pois o irmão tinha dinheiro de sobejo para poder imediatamente aviar-me. Aquela ordem e recomendação puseram-me em balanços de desobedecer, por me parecer impossível que me durasse tantos dias a vida ausente de Lucinda, e mais tendo-a deixado com a tristeza que já contei. Entretanto obedeci como servo fiel, sabendo bem ser à custa da saúde. Ao quarto dia chegou a procurar-me um homem com uma carta, que, pela letra do sobrescrito, de repente conheci vir de Lucinda. Abri-a sobressaltado, entendendo que não podia deixar de ser coisa grande a que a obrigava a escrever-me, estando ausente, porque presente poucas vezes o fazia.