Deste Duque são vassalos meus pais, humildes de geração, porém tão ricos dos bens da fortuna, que, se o nascimento lhos igualasse, nem eles teriam mais que desejar, nem eu temeria nunca ver-me na desgraça em que me vejo. Talvez que a minha pouca ventura só nascesse da que também lhes faltou a eles por não nascerem ilustres. Verdade é que não são tão humildes, que se devam envergonhar do seu estado, nem também tão altos, que me tirem a cisma em que estou de ser a minha desgraça efeito da sua humildade. Em suma: são lavradores, gente chã sem nódoas na geração, e (como se costuma dizer) cristãos-velhos e rançosos, mas não tão rançosos, que a sua riqueza e magnífico trato lhes não vá a pouco e pouco adquirindo nome de fidalgos e cavalheiros, ainda que a maior riqueza e nobreza de que eles se prezavam era terem-me por filha. Por não terem outro nem outra que deles herdasse, como porque eram pais, e pais extremosíssimos, era eu uma das mais regaladas filhas que jamais houve. Eu o espelho em que se reviam, o bordão da sua velhice e o alvo de todas as suas ambições, que se levantavam até ao céu.
Dessas ambições, por tão santas que eram, não discrepavam as minhas nem um til; tão senhora era eu dos seus corações, como dos seus haveres; por mim se recebiam e despediam os criados; a conta das sementeiras e colheitas corria toda por minha mão; das moendas de azeite, das lagaradas de vinho, do gado maior e menor, dos colmeais, finalmente de tudo aquilo que um lavrador opulento, como meu pai, deve ter, e tem, a administração fazia-a eu. Era a mordoma e senhora, com tanto desvelo meu, e tão a seu contento, como não posso encarecer. Os pedaços que no dia me sobravam destes lavores, depois de ter dado a devida atenção aos maiorais ou