Com a mulher honesta há-de se ter o melindre que se tem com as relíquias, adorá-las sem lhes tocar; há-de se guardar e estimar a mulher boa, como se guarda e estima um formoso jardim, que está cheio de rosas e outras flores; o dono não consente que ninguém por ali passeie nem colha; basta que de longe, e por entre as gradarias, lhe gozem da fragrância e lindeza. Finalmente, quero repetir-te uns versos, que me estão lembrando, de uma comédia moderna que ouvi, e que me parecem frisar com estas verdades que te encareço. Estava um prudente ancião recomendando a outro, pai de uma donzela, que a recolhesse, que a guardasse, e que a encerrasse, e entre outras coisas disse-lhe isto:
É como o vidro a mulher; mas não é mister provar se se pode ou não quebrar, porque tudo pode ser.
E é mais fácil o quebrar-se; loucura é logo arriscar a que se possa quebrar o que não pode soldar-se.
Fiquem nisto, e ficam bem, pois nisto o conselho fundo: que se há Danais neste mundo, há chuvas de ouro também.
O que até aqui te levo dito, Anselmo, é só em referência a ti; agora justo é que me ouças também um pouco do que me interessa a mim. Se me achares prolixo, desculpa-me; tudo é preciso no labirinto em que te meteste e donde eu te devo arrancar. Tens-me tu em conta de amigo, e queres tirar-me a honra, coisa essa tão avessa da amizade! e não só pretendes isto, mas até queres que também eu ta roube a ti. Que me queres dela despojar, está claro, pois em Camila vendo que eu a requesto como pedes, certo está que me há-de ter por homem sem honra nem consideração, pois intento e faço uma coisa tão fora daquilo a que me obriga o ser eu quem sou, e a amizade que te voto. De que tu queres constranger-me a tirar-ta eu a ti, também não há dúvida,