Nos três primeiros dias nunca Lotário disse nada, ainda que bem o podia quando se levantava a mesa, e os servos se iam todos à pressa para jantar, porque assim lho tinha a ama determinado; à sua Leonela recomendava que jantasse primeiro que os senhores, e nunca lhe saísse de ao pé dela.
Leonela, porém, que trazia o pensamento em coisas mais do seu gosto, e necessitava daquelas horas para os seus recreios, nem sempre executava à letra a recomendação, antes muitas vezes deixava sós os dois como se as suas instruções fossem essas precisamente.
Não obstante estes azos todos, o portamento honesto de Camila, a compostura do seu semblante eram tais, que Lotário emudecia. Mas se as virtudes de Camila tolhiam a voz do comensal, por outra parte mais perigosas por isso mesmo se tornavam para eles ambos; calavam, sim, a língua; mas o pensamento lá ia por dentro discorrendo e contemplando um por um todos os extremos de bondade e formosura da vigiada. Sentir-se-ia ali enamorado um colosso de mármore; quanto mais um coração de carne!
O tempo em que lhe podia falar, empregava-o em olhar para ela, e reconhecia quanto era credora de mil amores.
A continuação destas mudas contemplações começou pouco a pouco a enfraquecer os respeitos do amigo para com o ausente; esteve muitas vezes para sair da cidade, e ir-se para onde nunca mais Anselmo o visse a ele, nem ele a Camila; já porém o prendia o próprio deleite que sentia só em vê-la.
Forcejava e teimava consigo mesmo para atenuar e extinguir de todo o encanto de olhar para Camila; culpava-se em consciência de tamanho desatino, chamando-se mau amigo e até mau cristão. Se com Anselmo se comparava, o final era sempre dizer que maior fora a loucura e confiança de Anselmo, do que era a deslealdade dele próprio; e tão boa desculpa tivesse ele para Deus como a havia de ter para com os homens.