Como quer que seja, o que sei dizer é que ainda ontem fiz um soneto à ingratidão desta Clóris, o qual diz assim:
SONETO
Da umbrosa noite no silêncio, quando meigo sono refaz os mais viventes, só eu vou meus martírios inclementes aos céus e à minha Clóris numerando.
Quando o dia os seus raios vem mostrando dentre as rosas d’aurora auri-esplendentes com suspiros e lástimas ferventes vou as teimosas queixas renovando.
Se doura o sol a prumo o térreo assento, não me dissipa as trevas da agonia; dobra-me o pranto, aumenta-me os gemidos.
Volve a noite, e eu com ela ao meu lamento.
Ai! que sorte! implorar de noite e dia, ao céu piedade, e à minha ingrata ouvidos.
Pareceu bem a Camila o soneto, e a Anselmo ainda melhor. Este louvou-o, e disse que passava de cruel a dama que a tão claras verdades não correspondia.
— Então — disse Camila — tudo que sai da boca a poetas namorados se há-de logo ter por verdade?
— Como poetas não a dizem — respondeu Lotário — mas como namorados, nunca a chegam a dizer inteira.
— Nisso não há dúvida — replicou Anselmo, tudo para mais acreditar os pensamentos de Lotário no conceito de Camila, tão desprecatada do artifício de Anselmo, como já apaixonada por Lotário, e assim com o gosto do próspero andamento que as suas coisas lhe estavam dando, e por saber que os desejos e escritos do poeta a ela unicamente se referiam, por ser ela a verdadeira Clóris, lhe pediu que, se tinha mais algum soneto ou outros versos, os dissesse.
— Tenho outro soneto, mas parece-me inferior ao primeiro; estais a tempo de os comparar; é o seguinte:
Bem sei que morro, pois não sendo crido, forçoso é que me acabe o desconforto; podes ver-me a teus pés, ingrata, morto, mas nunca de adorar-te arrependido.