Quando o meu amigo acabou de ouvir tudo o que eu lhe disse, deu uma grande palmada na testa, e em seguida, depois de uma longa e estrondosa gargalhada, me respondeu:
“Por Deus, meu amigo, que ainda agora acabo de sair de um engano em que tenho estado desde todo o muito tempo em que vos hei conhecido, no qual sempre vos julguei homem discreto e prudente em todas as vossas ações; agora, porém, conheço o erro em que caí e o quanto estais longe de serdes o que eu pensava, que me parece ser maior a distância do que é do céu à terra. Como?!
Pois é possível que coisas, de tão insignificante importância e tão fáceis de remediar, possam ter força de confundir e suspender um engenho tão maduro como o vosso, e tão afeito a romper e passar triunfantemente por cima de outras dificuldades muito maiores? À fé que isto não vem de falta de habilidade, mas sim de sobejo de preguiça e penúria de reflexão. Quereis convencer-vos da verdade que vos digo? Estai atento ao que vou dizer-vos, e em um abrir e fechar de olhos achareis desfeitas e destruídas todas as vossas dificuldades, e remediadas todas as faltas que vos assustam e acobardam para deixardes de apresentar à luz do mundo a história do vosso famoso D. Quixote, espelho e brilho de toda a cavalaria andante.” Aqui lhe atalhei eu com a seguinte pergunta:
“Dizei-me: qual é o modo por que pensais que hei-de encher o vazio do meu temor, e trazer a lúcida claridade ao escuro caos da minha confusão?” A isto me replicou ele:
“O reparo que fazeis sobre os tais sonetos, epigramas e elogios que faltam para o princípio