Acabada a ceia, tirados os pratos, e levantada a mesa, a toalha e mais coisas pertencentes, e enquanto que a vendeira, com sua filha e Maritornes, arranjavam e preparavam a espécie de caramanchel, onde dormira D. Quixote, para que somente as mulheres ocupassem naquela noite a referida estância, pediu D. Fernando ao cativo para que lhe narrasse o decurso da sua vida, porque decerto havia de ser peregrino e gostoso, conforme as mostras que já começara a dar vindo em companhia de Zoraida; ao que respondeu o cativo que de boa vontade obedeceria ao que era mandado, receando apenas que não fosse tal o conto como ele desejava para dar-lhe prazer e contentamento; porém, que, apesar disso, cumpriria com as ordens recebidas e vontade de D. Fernando.
O cura e todos os mais lhe agradeceram a sua docilidade em prestar-se a dar-lhes este gosto, que de novo lhe pediam lhes desse, ao que ele, prestando-se prontamente, respondeu:
— Estejam Vossas Mercês atentos, e ouvirão uma história verdadeira, a qual porventura não poderia ser igualada pelas que costumam inventar-se com curioso e pensado artifício.
Com isto que disse fez com que todos se acomodassem e lhe prestassem muita atenção; e vendo ele que se calavam e esperavam o que dizer quisesse, com voz agradável e compassada começou assim: