Dom Quixote de La Mancha – Livro Primeiro - Cap. 40: CAPÍTULO XXXIX - Onde o cativo conta a sua vida e sucessos dela. Pág. 437 / 590
Dizei-me agora se quereis seguir o meu parecer e os meus conselho» em tudo quanto acabo de propor-vos.” E mandando-me então a mim, como o mais velho dos três, que respondesse, eu, depois de lhe haver dito que não se desfizesse de seus bens, e que continuasse gastando à sua vontade, porque nós estávamos em idade de poder procurar meios honrados de levar a vida, concluí todavia dizendo-lhe por fim que fizesse ele em tudo o seu gosto e que o meu seria seguir o exercício das armas, servindo nelas a Deus e ao meu rei. O meu segundo irmão, depois de falar pouco mais ou menos como eu havia falado, escolheu partir para as Índias, levando empregada a quantia que lhe tocasse. O mais novo dos três e, segundo o meu pensar, o mais discreto, disse que queria seguir a Igreja ou ir para Salamanca acabar lá os seus estudos. Logo que terminámos esta prática e escolhemos os estados que queríamos seguir, o nosso pai abraçou a todos e, com a brevidade prometida, pôs por obra quanto dissera, dando a cada um de nós a parte que lhe pertenceu, a qual, se bem me recordo, constou de três mil ducados em dinheiro, pois que um tio nosso comprou todos os bens e os pagou prontamente para que não saíssem do tronco da família. Todos três nos despedimos de nosso bom pai em um mesmo dia, e eu, parecendo-me falta de humanidade que um velho e sobretudo pai meu, ficasse com tão poucos meios de subsistência, consegui dele que dos meus três mil ducados guardasse dois mil, porque a mim me bastaria o resto para acomodar-me e arranjar-me de tudo quanto convinha a um soldado. Meus dois irmãos, movidos pelo meu exemplo, lhe deram cada um deles mil ducados, de modo que nosso pai ficou com quatro mil ducados em dinheiro, além de mais três mil ducados que valia a fazenda que no seu quinhão se reservara, a qual ele não quisera vender preferindo conservar a raiz.