Respondi-lhe que era escravo de Arnaute Mami, e isto por saber eu com toda a certeza que este era seu íntimo amigo; e também lhe disse que procurava ervas para fazer salada. Perguntou-me ainda se era ou não homem de resgate e quanto meu amo pedia por mim. Neste tempo saiu da casa do jardim a bela Zoraida, que já muito antes me tinha visto; e, como as mouras não fazem reparo em aparecer aos cristãos, nem tão pouco se esquivam, como já disse, facilmente veio ter aonde o pai estava comigo, e o próprio pai vendo-a vir devagar a chamou e lhe disse que se chegasse.
Fora demasia dizer eu agora a muita formosura, a gentileza, os galhardos e ricos adornos com que a minha querida Zoraida se mostrou a meus olhos: tão somente direi que do seu formosíssimo colo, orelhas e cabelos pendiam mais pérolas do que quantos destes tinha na cabeça. Nos pés, que, conforme o uso oriental, trazia nus, tinha dois carcasses (que assim se chamam em mourisco uma espécie de cadeias de que nos pés usam as mulheres) de puríssimo ouro, com tantos diamantes engastados que, segundo ela me disse depois, seu pai estimava em dez mil doblas e em outro tanto os braceletes. Eram ricas e inumeráveis as pérolas, porque o maior luxo dos mouros consiste em adorno de pérolas e aljôfares, sendo por isso que entre os mouros há mais destas pedras preciosas do que em todas as outras nações, e o pai de Zoraida tinha fama de possuir muitas e das mais ricas de Argel, além de mais de duzentos mil escudos espanhóis, que tudo isto pertencia a esta que agora é minha senhora.